O cenário de notícias que temos neste final de ano é realmente antagônico. Enquanto tentam “barrar” a entrada do palhaço Tiririca na Câmara Federal, alegando analfabetismo, o diplomado Jader Barbalho entrou, na última semana, com pedido de renúncia ao mandato na mesma casa. Barbalho foi barrado pela Lei da Ficha Limpa por ter renunciado em 2001 ao mandato de Senador para escapar de um processo de cassação. Ele era investigado por supostos desvios de recursos no Banpará e na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Impressionante é que ele sempre negou as irregularidades. Em carta oficial, Barbalho afirmou que vai retornar ao Pará e que acredita na “via judicial” para corrigir a “violência política” de que se considera vítima.
Falando em violência, a mídia transmite, como um Big Brother ou um daqueles jogos de guerra de vídeo-game as cenas chocantes do Rio de Janeiro. Já abordei este assunto e não me alongarei novamente, mas mantenho a opinião de que a imprensa não cumpre, com este tipo de cobertura, uma de suas mais nobres funções sociais: a busca de soluções para os problemas mais impactantes da sociedade. Cada prisão é um espetáculo e cada apreensão é digna de filme hollywoodiano. Coisas típicas de um país subdesenvolvido e de uma imprensa que ainda caminha para se tornar crítica e independente. Caminha a passos lentos, é verdade...
Entretanto, com todas essas noticias que “manchetaram” os principais jornais do país, a primeira página do portal G1 de terça-feira (30-11) me chamou muito a atenção. O que jamais deveria ser notícia ocupou a primeira página do conceituado portal do grupo Globo: “Motorista acha carteira com R$ 27 mil e devolve ao dono”. É claro que não estou fazendo uma crítica editorial ao portal G1, mas chamo o leitor à uma reflexão não sobre jornalismo e comunicação, mas sim em relação a valores e conceitos. Não quero aqui abordar questões sociais, mas sim entender como essa inversão de princípios interfere no que chamamos, tecnicamente, de valor-notícia (um atributo subjetivo que determina a importância que um fato ou acontecimento tem para ser noticiado, também designado de critério de noticiabilidade). A pergunta é: um ato de honestidade é critério de noticiabilidade?
Vamos então à reflexão, que possui dois pontos distintos de análise. O mundo vive um caos social sem precedentes. A corrupção e a violência entranharam em nossos cotidianos a ponto de tornar qualquer cidadão parcialmente insensível a questões como assaltos, sequestros, assassinatos e pedofilia, entre outros. Basta selecionar, aleatoriamente, qualquer jornal ou site de notícias; ou assistir à chamada de qualquer telejornal de nível nacional, e perceber a quantidade de noticias envolvendo violência e corrupção. Uma notícia como esta, que tem como personagem o motorista Manoel Cavalcante, de 61 anos, aposentado que recebe R$ 1 mil por mês de aposentadoria, é capaz de modificar o pensamento de qualquer cidadão. E, por influenciar diretamente na vida das pessoas e significar um aprendizado coletivo, torna-se passível de ser transformado em notícia.
Entretanto, uma outra forma de pensar também tem argumentos bastante justificáveis: atos de honestidade devem fazer parte de nosso cotidiano como um valor de família, um senso comum. Todos os cidadãos tendem a ser honestos, pois a nossa cultura atribui (ou deveria atribuir) este valor a todo cidadão. Se qualquer ato de honestidade torna-se notícia, podemos concluir que o óbvio e o comum seriam neste caso seriam atitudes desonestas como, por exemplo, a não-devolução do dinheiro ao seu dono. E fatos como estes, pelo simbolismo e pelo que representam para a nossa sociedade e ao senso comum, são passiveis de serem transformados em notícia, pois contrariam a nossa cultura padrão. E então, que lado se posicionar?
Tecnicamente noticia ou não, o fato acima descrito nos desperta, como cidadãos, a refletir sobre valores, conceitos e costumes que temos em nosso dia-a-dia. Como profissionais da comunicação, nos faz pensar, ainda com mais critério, o papel que o Jornalismo tem na vida das pessoas, pois além de legitimar opiniões, interfere diretamente em hábitos e atitudes pessoais. É a responsabilidade social da mídia e, principalmente, da imprensa nos dias atuais.

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