quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A banalização da biografia

A mídia sempre abre espaços para celebridades que, por um grande feito profissional, uma longa e vencedora trajetória de vida ou por alguma conquista pessoal, resolve “compartilhar” sua experiência com as pessoas. Há muitos anos, era extremamente difícil para um artista musical transformar suas composições ou suas versões trabalhadas em um disco. Gravadoras cobravam fortunas para lançar um artista no mercado e, quando aceitava, ainda cobravam altas porcentagens nas vendas e nos shows. Isso, de certa forma, valorizava os bons profissionais e servia como uma espécie de filtro para que apenas os músicos que tivessem qualidade lançassem seus produtos no mercado.

Mas a tecnologia foi evoluindo e os discos de vinil, que muitos ostentam até hoje através de seus saudosismos em enormes estantes, deram lugar ao CD. O acesso à gravação dessa mídia popularizou a música e estúdios independentes passaram a abrir mais espaço para os chamados “excluídos” do mercado. Com as gravações independentes, ritmos como o funk, o sertanejo e o forró se popularizaram. Ganharam tanta notoriedade que chamaram a atenção das grandes gravadoras, que viram ali uma enorme possibilidade de lucro. Com o advento do DVD e da Internet, através dos quais os shows se transformavam em imagens e passaram a percorrer o mundo, essa massificação tornou-se ainda mais latente. Nem vou me ater a uma análise sobre a pirataria que permeia este negócio, assunto que ocuparia outro texto e não é o foco deste.

Foi necessária fazer toda esta introdução para justificar o sucesso momentâneo de algumas celebridades que querem partir para outra etapa de suas carreiras: a polêmica Geisy Arruda, famosa por se vestir de forma inadequada em uma faculdade paulista; a cantora Lady Gaga; o filho do Fábio Junior, o tal do Fiuk; o cantor pop “teen” Justin Bieber e o cantor sertanejo Luan Santana, por exemplo. O que teriam essas celebridades em comum? Todos são jovens em busca de sucesso e dinheiro. Sim, essa poderia ser uma semelhança comum a todos, mas, além disso, todos eles lançarão, em 2011, suas biografias. Isso mesmo, e com editoras já definidas.

Tenho o temor de que se inicie um momento histórico e deprimente para o mundo cultural: a banalização da principal e histórica ferramenta de difusão de cultura e de conhecimento da humanidade, o livro. Estou há dias tentando entender, mantendo o devido respeito profissional, que conteúdo que o cantor Justin Bieber, de apenas 16 anos, teria para contar em sua bela biografia. Ou o que poderia interessar a alguém a biografia de alguém que, até hoje, apenas participou de um especial do pai (péssimo, por sinal), em um final de ano na Rede Globo? O que poderia acrescentar, em termos de conhecimento, a “trajetória” bombástica de apenas um ano do esforçado cantor sertanejo Luan Santana? Pior do que isso, para finalizar e sem me alongar, quem e por que alguém compraria a biografia da Geisy Arruda, que nada realizou e apenas serviu de modelo de Photoshop para uma revista masculina?

Desde criança, aprendi que livro se trata com muito carinho e é a fonte de conhecimentos da humanidade. Já banalizaram a música, o cinema, as produções televisivas. Atualmente, contrariando Antoine-Laurent de Lavoisier (1743-1794), “muito se perde, pouco se cria e nada se transforma” em nosso cenário cultural. Entretanto, ainda tinha esperança de que o livro, produto sagrado, responsável pelo registro histórico e pela difusão de um conhecimento sadio e importante para a humanidade, fugisse deste cenário de banalização de conteúdo. Mas isso é reflexo da democracia e, infelizmente, cabe-me apenas aceitar. Assim como faz parte desta mesma democracia escolher os livros que irão compor a minha estante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário